
Blusinhas, tênis, eletrônicos, talheres de uso único, alimentos, embalagens. Todos os dias, diversos itens e produtos são oferecidos às pessoas, seja como consumo direto (ao receber aquele e-mail para comprar mais uma roupa em promoção, por exemplo), seja como consumidor de um serviço (quando o garçom entrega um talher descartável). Na maioria das vezes, aquilo que será consumido foi produzido dentro de uma lógica linear: extrair a matéria-prima, produzir, usar e descartar.
Mas o acúmulo dessa forma de produção ao longo de décadas, somado ao aumento do consumo e ao crescimento da população, fez com que esse sistema se tornasse insustentável, pois o planeta não dá conta de regenerar os recursos naturais na mesma intensidade em que eles são consumidos.
Desde o início da década de 90, o termo “economia circular” vem se popularizando e ganhando força como método para substituir o método produtivo vigente, o da economia linear. Em vez de colocar produtos na rua sem ter responsabilidade sobre a destinação quando ele chegar ao fim de sua vida útil, a proposta é pensar na continuidade econômica dos materiais extraídos. Ou seja, se uma garrafa de plástico chega às prateleiras, de que forma esse plástico será usado novamente? O conceito é recente, mas essencial para transformar o modo de vida da sociedade e contribuir com o combate ao aquecimento global.
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O que é a economia circular?
A economia circular está fundamentada em três princípios básicos, segundo definição da Fundação Ellen MacArthur, referência global no tema:
1. Eliminar resíduos e poluição
2. Circular produtos e materiais (no seu valor mais alto)
3. Regenerar a natureza
Ainda segundo a instituição, o conceito abarca a preocupação com o design dos produtos – que precisa ser feito de maneira a possibilitar a sua circularidade – e se baseia na transição para energias e materiais renováveis e pela separação da necessidade de a atividade econômica consumir recursos finitos. “A economia circular é um sistema econômico projetado para regenerar ecossistemas, manter materiais em uso e reduzir resíduos e impactos ambientais causados pela produção e pelo consumo exacerbado”, explica Guilherme Suertegaray, gerente sênior de projetos para a América Latina da Fundação Ellen MacArthur.
Para a engenheira química e consultora em economia circular, Renata Rodrigues, a economia circular é sobre fazer com que os materiais nunca se tornem resíduos. “Na economia circular, temos que evitar que o descarte de materiais aconteça. Normalmente, há uma mistura de materiais nos produtos descartados, e a natureza não tem a capacidade de regeneração natural daquelas substâncias", diz.
Quais são os pilares da economia circular?
Priorizar escolhas sustentáveis deveria ser a alternativa mais simples para todas as pessoas, mas nem sempre a tarefa é fácil – e, muitas vezes, o sistema econômico como um todo joga contra quem tenta agir de forma mais consciente. Por isso, foi elaborado o conceito dos sete “Rs” da economia circular. É uma forma de estabelecer uma sequência de etapas antes de decidir fazer uma nova compra ou consumir algo sem necessidade.
Segundo o Movimento Circular, iniciativa multissetorial em economia circular no Brasil, os sete Rs são:
1. Recusar: evitar a compra de produtos desnecessários
2. Repensar: adotar novos modelos de consumo e produção
3. Reduzir: diminuir a quantidade de recursos utilizados e resíduos gerados
4. Reutilizar: encontrar novos usos para produtos existentes
5. Reciclar: transformar materiais usados em novos produtos
6. Reparar: consertar produtos para estender sua vida útil
7. Regenerar: conservar e permitir a recuperação dos ambientes e serviços ecossistêmicos
Ao incorporar os sete “Rs” no dia a dia, torna-se um hábito considerar todas as possibilidades antes de praticar um consumo que pode ser evitado.
Qual é a diferença entre economia linear e circular?
Na economia linear, a trajetória dos produtos é limitada: extração, produção, consumo e descarte.
"O modelo linear é contaminante e muito ineficiente do ponto de vista econômico, pois extrai recursos, gera produtos de vida útil curta e que logo são descartados. Ou seja, o modelo linear gera desperdício e esgota os recursos naturais", diz Guilherme, da Fundação Ellen MacArthur.
Já a economia circular é um sistema desenhado para reinserir materiais na economia, regenerar ecossistemas e reduzir impactos ambientais. A diferença principal está na capacidade de manter os produtos e materiais em circulação, evitando que se tornem resíduos. Essa solução depende, principalmente, do design do produto no momento da criação.
Podemos pensar em um exemplo do setor têxtil. Na economia linear, fibras como algodão são cultivadas, transformadas em tecidos, confeccionadas em roupas, vendidas e, ao fim de sua vida útil, descartadas. Sem mecanismos adequados de reciclagem, esses materiais acabam em aterros ou lixões. Na economia circular, a indústria pensa em como não ter perdas durante o processo. Ao lançar uma nova coleção de roupas, cabe às empresas planejar como os materiais serão recuperados e utilizados posteriormente em outras cadeias produtivas.
“As empresas precisam pensar se o design vai comprometer o meio ambiente ou se existe demanda para que os materiais utilizados sejam reinseridos na economia", diz Renata.“Pequenos sachês de condimentos, com os de ketchup, não podem ser recicláveis porque há mistura de materiais na composição da embalagem difícil de separar, por exemplo. Seria preciso pensar em outro tipo de embalagem que garantisse a reciclabilidade”.
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Por que a economia circular é importante?
A capacidade do planeta de regenerar seus recursos é limitada. Segundo a organização Global Footprint Network, a humanidade consome o equivalente a 1,75 planetas por ano. Ou seja, são extraídos mais recursos do que o planeta é capaz de produzir.
O relatório Circularity Gap Report de 2024 destaca ainda que apenas 7,2% dos materiais que entram na economia são reutilizados. Ao mesmo tempo, o uso global de materiais continua em expansão: 582 bilhões de toneladas foram consumidas entre 2016 e 2021, quase a mesma quantidade de materiais utilizados em todo o século 20.
Sem a devida destinação dos resíduos gerados, eles contribuem com o aquecimento global. "O metano é um dos principais gases de efeito estufa, 25 vezes mais potente que o dióxido de carbono na absorção de calor", explica Renata. Esse gás é emitido em aterros sanitários com a decomposição de resíduos orgânicos.
Segundo Renata, a estrutura linear gera resíduos de forma automática. “Se tudo o que extrairmos da natureza gerar um produto e um resíduo, a natureza não vai conseguir regenerar esses materiais. Onde vamos parar em um sistema linear finito? Chegará o momento em que não haverá mais material para ser extraído e a contaminação será drástica", diz.
Exemplos da economia circular
Há casos concretos que mostram como a economia circular funciona. Na indústria, um exemplo de economia circular é dar novos usos para resíduos do processo fabril. Na Suzano, por exemplo, resíduos industriais provenientes da fabricação da celulose têm sido transformados em corretivos para a acidez do solo que são usados no início da cadeia produtiva da empresa, preparando as terras de plantio de eucalipto. Em 2024, a companhia transformou 241,2 mil toneladas de resíduos em corretivos desse tipo. Saiba mais sobre isso no Relatório de Sustentabilidade 2024 da Suzano.
Outro exemplo vem da multinacional sueca IKEA, que trabalha com o serviço "Buy Back & Resell", que permite aos consumidores vender à própria IKEA móveis usados em boas condições em troca de créditos na loja. Esses móveis passam por uma avaliação para identificar possíveis danos ou desgaste. Dependendo do estado do produto, ele é restaurado, reparado ou vendido como está, em seções específicas de itens usados nas lojas da rede. Esse processo permite que um único móvel passe por diversos ciclos de uso. Além disso, os resíduos inevitáveis, como pedaços de madeira ou tecido inutilizáveis, são destinados a processos de reciclagem ou reaproveitamento em novos produtos, fechando o ciclo produtivo.
No mercado têxtil, a marca norte-americana Patagonia mantém o “Worn Wear”, programa que facilita o reparo, recompra e revenda de roupas usadas. Quando uma peça volta para a empresa, passa por uma triagem: itens que podem ser reparados são consertados e revendidos, enquanto os em pior estado têm os materiais separados para reciclagem. A empresa também cria conteúdo para ensinar os clientes a repararem suas próprias roupas, estimulando a cultura do conserto e do uso prolongado da mesma peça.
Como as empresas podem implementar a economia circular?
Há uma crescente demanda social para que empresas aumentem a reciclabilidade dos produtos e garantam que eles sejam, de fato, reciclados. Contudo, a ação do setor privado deve ir além. As empresas precisam tomar a iniciativa para substituir insumos fósseis por biomateriais renováveis e investir em inovação para acelerar esse processo.
“É preciso investir em parceiros capazes de inovar e construir as soluções necessárias para a indústria, ao mesmo tempo em que há especificidades técnicas que devem ser atingidas", explica Guilherme, da Ellen MacArthur. Além da inovação nos processos produtivos, o especialista defende a inovação nos modelos de negócios para usar menos quantidade de materiais para a produção comercial.
Além disso, as companhias devem refletir sobre a cadeia de valor como um todo para implementar a economia circular. “É fundamental que as empresas entendam a cadeia de valor reversa também, não só o ciclo de vida linear do produto. Nesse processo, é crucial fazer parcerias com cooperativas, por exemplo, para saber qual será o destino do produto. A empresa precisa repensar todo o seu sistema operacional", afirma Renata.
Conclusão: a economia circular é uma alternativa para o futuro
Enquanto o sistema linear se baseia em extrair, produzir, consumir e descartar, a economia circular busca manter materiais e produtos em uso pelo maior tempo possível. O conceito, embora recente, contribui com o combate ao aquecimento global e tem o objetivo de frear a exploração desenfreada dos recursos naturais.
Há companhias que mostram que a economia circular é viável e pode ser adotada por diferentes setores. Contudo, sua implementação depende de mudanças nos processos de produção (desde o início da cadeia), modelos de negócios e novos design de produtos, exigindo inovação, parcerias estratégicas e um compromisso genuíno com a sustentabilidade.