
Belém do Pará é uma das portas de entrada para a maior floresta tropical do planeta, mas também é muito mais do que isso. A cidade pulsa ao ritmo do carimbó, convive com a diversidade de sabores da sorveteria Cairu e reúne no Mercado Ver-o-Peso uma das feiras mais vibrantes da América Latina. Nas rodas musicais, a guitarrada — gênero instrumental reconhecido como patrimônio cultural brasileiro — faz parte da identidade sonora paraense, ao lado da lambada e do tecnobrega. À mesa, a culinária amazônica se revela em iguarias como tacacá, tucupi e o peixe filhote, que unem sabores únicos da floresta. Em novembro de 2025, esse cenário receberá a 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas, a COP30. Sediar o maior evento climático do mundo na Amazônia carrega um simbolismo poderoso e um recado direto aos líderes globais.
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Por que o bioma Amazônico foi escolhido para receber a COP30?
Na sua quinta carta à comunidade internacional, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, declarou que “trazer a COP30 ao coração da Amazônia significa dar espaço aos vulneráveis e periféricos como líderes genuínos, que tomam decisões corajosas todos os dias – e que agora devem ocupar o centro da tomada de decisão global”. Desde o anúncio de Belém como sede para a conferência, as autoridades vêm declarando, de forma consistente, que a COP na Amazônia tem um forte simbolismo que supera as dificuldades logísticas da região.
Além do aspecto social, a decisão de realizar a COP30 na Amazônia reflete a importância estratégica da floresta para o equilíbrio climático global. Afinal, ela atua como reguladora do clima do planeta e tem influência nos padrões de temperatura e precipitação em diferentes continentes. "Pela importância do ecossistema, a Amazônia pode ser o fator propulsor de manutenção das condições climáticas atuais. Ela tem o potencial de acelerar ou de limitar as mudanças climáticas provocadas pelo homem", explica Suzan Pantaroto, professora de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Comissão COP30 da instituição.
O fenômeno dos "rios voadores" exemplifica esse papel da Amazônia na regulação do clima: o volume de vapor d'água transportado pela atmosfera a partir da floresta funciona como um modulador de temperatura e gera chuvas em regiões distantes.
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O que se espera com uma COP que será sediada, pela primeira vez, próxima a uma floresta tropical?
Essa é a primeira vez que uma COP acontece tão próxima a uma floresta tropical. A expectativa é que os participantes vivenciem os desafios sociais e climáticos que são discutidos em salas de negociação e transformados em relatórios. A proximidade com a floresta pode fazer com que dados sobre desmatamento e biodiversidade resultem em experiências tangíveis. "Para que os governantes e os tomadores de decisão entendam o que significa a Amazônia e qual é o fator amazônico nessa questão climática, é preciso estar lá, vivenciar o território e conhecer toda a riqueza e diversidade que existe ali", destaca Suzan.
Além disso, a COP30 oferece uma oportunidade única para que povos indígenas e comunidades tradicionais amazônicas participem ativamente das negociações. Em Belém, essas comunidades estão em território próprio, com protagonismo ampliado. Em sua primeira carta à comunidade internacional, Corrêa do Lago afirmou que “a COP30 será a primeira a ocorrer indiscutivelmente no epicentro da crise climática e a primeira a ser sediada na Amazônia, um dos ecossistemas mais vitais do planeta e que, de acordo com os cientistas, agora corre o risco de ponto de inflexão irreversível”.
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Como o bioma vai influenciar os temas a serem discutidos?
Embora a agenda climática seja global, a imersão no bioma amazônico pode influenciar como os participantes compreendem as questões que serão negociadas. "O ser humano é sensível àquilo que ele vê. A presença no local gera motivação adicional para que os assuntos estejam voltados ao bem-estar da saúde planetária", diz Suzan.
A diversidade amazônica também será evidenciada nos contrastes sociais da região. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil não deveria "maquiar" a realidade para os visitantes. Isso significa que delegações terão contato com as contradições do país – das áreas nobres às comunidades ribeirinhas, do saneamento moderno ao esgoto a céu aberto que persiste em algumas regiões.
"Mesmo com a COP, a cidade vai continuar com hábitos inadequados e palafitas. E tenho certeza de que os visitantes vão querer conhecer esses lugares não nobres da região", afirma Suzan, da Unifesp. Esse confronto com a realidade pode sensibilizar líderes para compromissos relacionados à justiça climática e ao apoio aos países vulneráveis.
Quais são os desafios que Belém e o Brasil estão enfrentando e o que está sendo feito para superá-los?
A infraestrutura de Belém representa o principal desafio para sediar um evento da magnitude da COP30. "A cidade não tinha a infraestrutura necessária para um evento desta magnitude", avalia Suzan.
No entanto, medidas estão sendo implementadas. Para hospedar os participantes de delegações de todo o mundo, além da plataforma oficial para a hospedagem na COP, o poder público e a sociedade ampliaram a quantidade de leitos com escolas adaptadas, alojamentos militares e espaços religiosos. As igrejas católicas e evangélicas lançaram uma plataforma solidária para hospedagem de baixo custo, e as autoridades confirmaram o uso de cruzeiros para reforço temporário da rede. No campo universitário, a Universidade Federal do Pará (UFPA) sediará a Aldeia COP, iniciativa que acomodará indígenas.
O sistema de saneamento básico da cidade passou por uma expansão significativa. Com as obras, mais de 500 mil pessoas serão beneficiadas diretamente, o que representa mais de um terço da população da capital paraense, que soma quase 1,4 milhão de habitantes, e se torna um legado do evento para a comunidade local. Programas de capacitação em inglês foram oferecidos gratuitamente aos moradores, preparando a população para receber visitantes internacionais.
No início de outubro, Corrêa do Lago exaltou a realização da COP na capital paraense. “Quanto mais gente vier para Belém, mais gente vai descobrir a maravilha que é essa cidade e a maneira que o mundo vai ser abraçado pelas pessoas”, disse em uma visita oficial à cidade.
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Quais devem ser as consequências da COP para a região Amazônica?
O legado projetado para Belém e a Amazônia combina obras estruturantes e posicionamento estratégico. Segundo Ana Toni, CEO da COP30, a conferência deve colocar o Brasil como provedor de soluções baseadas na natureza, com potencial de atrair investimentos e dinamizar a economia e o turismo regionais. Do lado das obras, o pacote federal inclui melhorias permanentes de saneamento, mobilidade e qualidade de vida. Corrêa do Lago tem enfatizado que a preparação não é “cosmética” e elogia a infraestrutura do Parque da Cidade, que sediará o encontro, como parte do legado urbano e simbólico para a região.
Para os povos originários, a COP30 representa a oportunidade de amplificar suas vozes. "Na Amazônia, as lideranças indígenas não estarão sozinhas. Elas e todos os povos originários poderão trazer as pessoas para verem as situações reais, não apenas ouvirem e assistirem a vídeos", explica Suzan. A conferência pode ainda fortalecer a consciência nacional sobre a importância da Amazônia. "Muitas pessoas no Brasil não sabiam o que era a COP", relata a pesquisadora, destacando a necessidade de educação ambiental permanente.
Os eventos relacionados à COP acontecem só na Amazônia?
Embora Belém seja a sede oficial, eventos paralelos ocorrem em diferentes regiões brasileiras, democratizando o acesso às discussões climáticas e engajando todos os biomas.
A São Paulo Climate Week, realizada de 2 a 8 de agosto, mobilizou mais de 10 mil participantes em debates sobre inovação tecnológica, transição energética e justiça climática. A Rio Climate Action Week, que aconteceu de 23 a 29 de agosto, em parceria com a London Climate Action Week, focou nos eixos da Agenda de Ação da COP30: transição nos setores de energia, indústria e transporte; gestão sustentável de florestas, oceanos e biodiversidade; transformação da agricultura e sistemas alimentares; construção de resiliência em cidades, infraestrutura e água; promoção do desenvolvimento humano e social.
Em Brasília, a Pré-COP30, realizada de 13 a 14 de outubro, reuniu negociadores internacionais. A Embrapa promoveu os "Diálogos pelo Clima" em sete cidades, cobrindo Cerrado, Pantanal, Amazônia, Pampa, Mata Atlântica e Caatinga. Já o Caatinga Climate Week, em Caruaru, que ocupou a cidade entre 1 e 4 de outubro, colocou o único bioma exclusivamente brasileiro no centro do debate.
Esses são apenas alguns exemplos e haverá outros encontros ao longo dos meses de outubro e novembro. Isso mostra como a mobilização nacional reflete a importância do momento. Para Suzan, o essencial é que a conferência resulte em ações concretas: "O ideal é que esse espaço seja usado para alguma tomada de decisão importante sobre mitigação e combate às mudanças climáticas nos próximos anos, na próxima década", conclui.
Conclusão
A COP30, sediada na Amazônia, é uma oportunidade para aproximar os tomadores de decisão globais das questões relativas a um dos biomas mais importantes para a regulação climática no mundo. Realizada pela primeira vez perto de uma floresta tropical, a conferência do clima da ONU ainda pode ajudar a dar voz aos povos originários e comunidades ribeirinhas, importantes atores no combate à crise climática.